Em 1989 chegava ao afim a construção Usina Hidroelétrica de Samuel (UHS). Ela repressou o Rio Jamari em sua parte mais extensa. Os pequenos proprietários rurais - que em se tratando de bioma amazônico em nada fizeram juz ao termo "pequeno e proprietário" -, tiveram suas terras alagadas.
De lá pra cá, sucessivamente, plantadores de mandioca, café, pimenta e extrativistas sazonais de açai e castanha - expropriados da cidadania, se viram expropriados também da terra. A UHS desapareceu não só com aquelas terras que Dona Maria Durans, ainda jovens no Paraná, imaginou encontrar em Rondônia, mas também com os sonhos dela e de tantas outras pessoas que atraídas pelo sonho da "terra própria" migraram para o norte e enfrentaram dificuldades inimagináveis.
Os agricultores obrigados a se mudar não foram muito longe, a viagem de volta somada ao fracasso estigmatiza socialmente os indivíduos, e estes geralmente optam por ficar. Adotaram a cidade de Itapuã do Oeste como morada. De uma forma ou de outra, eles ainda extraem da floresta o açai e a castanha. Mas em épocas de concessão florestal acrescida da não organização social destes excluídos correm o risco de não poderem extrair mais nada da floresta.
Os que não perderam suas terras perderam a liberdade de ir e vir para à cidade. O Jamari separou proficuamente zona rual de urbana, e a medida de amenização encontrada pela Usina foi a de oferecer transporte hidroviário - a famosa balsa de travessia. A imagem acima também mostra uma ponte ao fundo, que é da época de inauguração da Usina, final da década de 80, mas se encontra inconcluída até hoje.
Se já não fosse suficiente os danos acarretados pela UHS, outros impactos negativos assolam a sociedade de Itapuã do Oeste, consequência da Usina. Com o repressamento do rio, a água chegou mais perto da cidade e no período das chuvas o rio fica mais cheio ainda, causando infestações de malária. Logo após o alagamento os casos de malária em Itapuã aumentaram 1.000%. O poder público local tomou suas medidas de "caça ao mosquito" e prevenção de contaminação, o que até funcionou aparentemente. Os agrotóxicos geralmente funcionam mesmo.
O repressamento trouxe o lençol freático mais perto da superfície. Segundo relatos, "não precisa cavar mais de dois metros para encontrar água". Em outros locais encontra-se água à menos de um metro de profundidade. A consequência disso diz respeito, principalmente, aos cemitérios municipais. A população não consegue enterrar seus mortos sem o constrangimento e o risco de tê-los emergindo no período das águas.
Sem dúvida a UHS gera energia, necessária óbviamente para abastecer o setor industrial de Porto Velho, mas e em Itapuã do Oeste? A cidade tem energia suficiente para as casas e para as pequenas serrarias? Os cidadãos tem a possibilidade de deixar a TV e a Geladeira ligadas simultaneamente? Não. Ela fica no escuro.
A energia gerada ali pelo rio de águas escuras (segundo a definição na língua indigenas) mantém aquela população na escuridão da falta de energia, de cidadania, de política pública e de interesse político e social.
Samuel foi só mais uma hidroelétrica que destruiu sonhos, vidas de trabalho, florestas e peixes em nome de um desenvolvimento excludente. Ficam ainda muitas questões acerca dos impactos gerados pela "energia limpa". Belo Monte vem aí, como uma avalanche de destruição. Confiram o documentario do link abaixo e tirem suas próprias conclusões: http://www.youtube. com/watch? v=ZmOozYXozb8